O SER HUMANO COMO PROPÓSITO

Há 22 anos à frente da ONG Parceiros Voluntários, Maria Elena Pereira Johannpeter transformou a maneira de atuar no terceiro setor no país. Um trabalho marcado por gestão, responsabilidade e muita vontade de fazer a diferença pela cidadania

Lá se vão mais de duas décadas desde que, em um programa de televisão gaúcho, Maria Elena Pereira Johannpeter fez um chamado para que 100 pessoas trabalhassem como voluntárias em um projeto chamado “Laboratório de Verão”. No dia seguinte, mais de 300 faziam longas filas no Palácio do Comércio, em Porto Alegre, onde fica a sede da Federação das Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul).

O grande engajamento animou Maria Elena – mas, seis meses depois, viu que havia muito a evoluir: dos 100 selecionados, apenas dez permaneceram. E das dez ONGs participantes, somente duas seguiram. Para que esse trabalho fosse efetivo, era necessário mais do que mobilização: o voluntariado precisava de organização.

Assim, nascia a Parceiros Voluntários: sediada na capital do RS, a entidade tornou-se referência no Brasil em captação, estímulo, organização e profissionalização do voluntariado. Um processo que, como explicou Maria Elena em entrevista à VOTO, vai muito além: “É um trabalho de construção do capital social do país”.

Maria Elena Johannpeter, da ONG Parceiros Voluntários.

A entidade atua em quatro eixos: o primeiro, do voluntariado, estimulando que as pessoas se engajem a uma causa já existente; o segundo é o da profissionalização do Terceiro Setor, trazendo capacitação gerencial às organizações; em seguida, das empresas, mobilizando e auxiliando programas de responsabilidade social; por fim, a educação, com o programa Valores da Educação, voltado a crianças de cinco anos a jovens de 21 anos, de escolas públicas e privadas.

Após 22 anos, Maria Elena acredita que a principal contribuição da Parceiros Voluntários foi acrescentar a palavra “organizado” ao setor. “Ou seja, do voluntário escolher uma causa, o que ele quer e quando pode fazer. Comprometimento, responsabilidade, esse trabalho como um exercício de cidadania, trazendo soluções para o que está à minha volta”, ressalta.

Credibilidade para avançar

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem hoje mais de 820 mil organizações do Terceiro Setor. Uma área em marcante expansão, impulsionada pelo crescimento da responsabilidade social nos últimos anos. No entanto, para que a atuação dessas entidades seja eficaz, é necessário ter credibilidade, visibilidade e respeitabilidade. E, como destaca Maria Elena, a ONG é um instrumento para fomentar essa capacitação.

“Fazemos com que elas se vejam como pequenas unidades de negócio. Seu produto, como dizia Peter Drucker [professor austríaco e “pai” da administração moderna], é o ser humano atendido e transformado em suas necessidades”, diz. Em outubro de 2018, foi criado o Conselho de Administração da Parceiros Voluntários, que Maria Elena preside na gestão 2018/2020.

Citando o professor Lester Solomon, da Universidade Johns Hopkins (EUA), ela avalia que mitos e preconceitos sobre essa área são comuns em todo o mundo. “É um setor que faz muito, é confiável, mas que não sabe se mostrar. E nós trabalhamos isso em nossos cursos, para que as organizações saibam se ‘vender’ com uma boa comunicação.”

Notre-Dame e Museu Nacional

Logo após o incêndio que destruiu parcialmente a Catedral de Notre-Dame, na França, grandes empresários anunciaram mais de € 850 milhões em doações para a reconstrução da igreja. Quadro que, imediatamente, gerou comparações com o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Consumida pelas chamas em setembro de 2018, a instituição recebeu apenas R$ 1,1 milhão. Algo que gerou questionamentos sobre a solidariedade do brasileiro, especialmente da elite econômica.

Para Maria Elena, são situações completamente diferentes. “Qualquer país europeu tem outro quadro econômico. No Brasil, com tantas dificuldades, o cobertor é curto”, aponta a presidente do Conselho da Parceiros Voluntários, para quem o mais justo seria comparar com nações de mesmo tamanho e necessidades. Ela, no entanto, concorda que é necessário uma maior cidadania participativa da população.

“É preciso sair de uma atitude de ‘o que ganho com isso?’ para uma de ‘no que posso ajudar?’. Todos temos conhecimentos que podem ser postos à disposição da comunidade. Devemos ser partícipes das soluções e não apenas das reclamações, ou esperar tanto dos governos”, sugere.

Cada vez mais presentes nas empresas, as ações de responsabilidade social podem trazer efeitos significativos para as pessoas. Além disso, melhoram o clima interno e representam um valor competitivo de mercado. Mas para que esse processo gere o resultado esperado, o primeiro passo necessário é planejamento.

“Assim como as empresas têm um planejamento de vendas, de recursos humanos, elas precisam ter um de responsabilidade social. Ter uma estratégia, saber o público e segmento em que quer trabalhar. E a Parceiros Voluntários pode auxiliar muito nesse campo, ajudando as companhias a se inserem em suas comunidades”, ressalta Maria Elena.

Pensando mais no ser humano

Muito mudou no mundo em 22 anos, mas não o propósito dessa referência no Terceiro Setor – que, agora, mira novos horizontes. Desde 2018, a organização tem unidade em São Paulo, buscando implantar comitês de responsabilidade social nas empresas. Recentemente, fechou parceria com a Universidade de São Paulo (USP) para desenvolver um curso focado em gestão para lideranças de ONGs paulistas.

Nessas duas décadas, a fundadora da Parceiros Voluntários considera que há uma participação mais ampla, efetiva e comprometida das pessoas no voluntariado. Cenário que avançará ainda mais nos próximos anos, com as mudanças tecnológicas.

“A próxima década será de muita abertura de consciência em todos nós. Um período de grande desenvolvimento humano, de resgate de valores. E com o avanço das tecnologias, teremos um tempo maior para pensarmos mais no ser humano do que na máquina”, conclui.

NÚMEROS QUE IMPRESSIONAM

Imagine se toda a população de Hong Kong ou do Paraguai fosse atendida pela Parceiros Voluntários. Pois esse é o tamanho do benefício prestado pela entidade, que envolve milhões de pessoas em sua rede.

8 milhões de beneficiados

562.856 voluntários mobilizados

2.410 OSCs atendidas

2.662 escolas mobilizadas

2.739 empresas mobilizadas

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