Longe do botão nuclear

Mesmo sem um cronograma para o fim de suas maluquices agressivas, o ditador norte-coreano Kim Jong-un acena com uma vontade de sentar à mesa e negociar. O que deve acontecer nos próximos capítulos?

Disparates saindo da Casa Branca são frequentes desde a posse de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos. Quando anunciou que pretendia se encontrar com o ditador Kim Jong-un, da Coreia do Norte, a estranheza foi total. Parecia mais uma daquelas ideias jogadas ao vento para render manchetes e chocar a sociedade. Afinal, poucos meses antes, Trump chamava o mandatário norte-coreano de “rocket man” (homem foguete), por ficar insistentemente ameaçando lançar mísseis para cima da vizinha Coreia do Sul e até para os EUA, a cerca de 10 mil quilômetros de distância. Ninguém em sã consciência duvidaria do ditador travestido de apertador de botão nuclear. Afinal, o ódio nutrido contra países de sucesso é praxe na família de ditadores que mantém um povo oprimido e faminto que é obrigado a reverenciar o “líder supremo” todos os dias.

O fato é que as bravatas de Kim não passam disso, e o encontro com Trump ocorreu – fato amplamente registrado e divulgado pela mídia – e começa a apresentar algum resultado. “O principal é que deu uma abertura para a aproximação. Mostra uma confiança mútua”, afirma o professor Alexandre Uehara, coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Asiáticos da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo. O primeiro efeito foi aliviar a tensão, principalmente para os sul-coreanos, que estão ali ao lado.

“Claro, não dá para bater o martelo e dizer que está tudo encaminhado. É preciso continuar observando. Ao menos, Kim Jong-un parou de fazer pronunciamentos com provocações. A construção da confiança é algo paulatino”, destaca Uehara. Na parada militar realizada em setembro para comemorar os 70 anos do país, o desfile estava repleto de soldados perfilados e com armamento de guerra, mas não houve o tradicional passeio de mísseis, como em eventos anteriores. Trump escreveu no Twitter que o desfile comedido foi “uma declaração muito positiva da Coreia do Norte”.

Os insultos públicos pararam, é verdade, mas ainda não apareceram resultados concretos. O principal efeito, por enquanto, é simbólico. O país asiático e seu mandatário passaram a sentir que deixaram de ser ignorados, se tornaram relevantes. Principalmente porque na conversa com Trump – conforme a singela declaração oficial de duas páginas, sem um cronograma de avanços – não houve nenhuma cobrança quanto ao total desrespeito aos direitos humanos no país de Kim, prática que vem de décadas.

Conforme relatos de quem conseguiu escapar das garras de um governo ferrenho, basta não seguir fielmente os ditames do poder para acabar em um campo de concentração, repleto de trabalhos forçados, castigos e torturas. A paranoia dos adoradores do regime é tanta que um jornal com a foto do ditador na capa não pode ser dobrado ao meio para não desfigurar a imagem do mandatário. O professor Uehara entende que se fosse criada uma agenda de avanço nas tratativas poderia não dar certo. Isso porque, caso não houvesse o cumprimento de alguma medida, a pressão aumentaria.

Teatro no lugar de um país

Depois dessa leve distensão no jogo político, turistas ávidos para conhecer a forma como vivem os norte-coreanos imaginaram que seria menos complicado entrar no país. Mas pouco mudou. Os visitantes que se aventuram em tentar conhecer uma das nações mais fechadas do planeta não podem circular livremente. Sempre são ciceroneados por guias de turismo que mais se parecem com guarda-costas do regime autoritário.

Na frente da estátua de ditadores anteriores – um dos poucos locais iluminados à noite em Pyongyang em razão da escassez energética – os visitantes são convidados a se curvarem em sinal de respeito. Jornalistas são bem-vindos, mas, da mesma forma, só trilham as vitrines preparadas pelo staff governamental. Veem pessoas usando celulares e dão um giro em frente a prédios espelhados, mas quando tentam entrar vem a negativa com a seguinte desculpa: atrapalharia o ritmo de quem trabalha lá.

Analistas apontam dois motivos, pelo menos, para o ditador se mostrar mais disposto a sentar à mesa de negociações. Uma é que a estrutura de testes nucleares teria sido desmantelada numa explosão. Mas também entendem que é o lado econômico que está fazendo a Coreia do Norte ao menos tentar negociar uma aproximação e baixar a guarda. O país depende muito da vizinha China, que deixou de fornecedor combustível – inclusive para os mísseis – depois que Kim veio com a conversa de que tinha um botão nuclear em sua mesa. “Os testes de mísseis causaram desconforto na China”, destaca Uehara. Sem um suporte chinês, a frágil economia norte-coreana estaria a caminho da asfixia.

Como a Coreia do Norte se parece mais com um teatro do que um país, o ditador depois tratou de dar as mãos ao presidente sul-coreano, Moon Jae-in, na fronteira, na zona desmilitarizada. O gesto serve como um aceno para a aproximação entre os países. Mas não se espere uma unificação como ocorreu na Alemanha no início da década de 1990. O sul teria de bancar o imenso custo financeiro para fazer o norte saltar da idade das trevas à modernidade, sem escalas. E a China não gostaria de ver forças militares americanas estacionadas na sua fronteira. Enquanto a mesa de negociações está aberta, ao menos Kim tirou o olho de seu botão nuclear – se é que ele existe.

AVENTURAS PERIGOSAS

Veja alguns dos experimentos militares realizados pelo regime ditatorial da Coreia do Norte para assustar vizinhos e países considerados inimigos:

Anos 1970

  • Coreia do Norte trabalha na produção de míssil a partir do soviético Scud, com alcance estimado de 300 quilômetros.

Anos 1990

  • Entra a tecnologia chinesa, com o desenvolvimento de mísseis até 6,7 mil km de alcance.

Anos 2000

  • Reforço na tecnologia militar nuclear sob a desculpa de política hostil dos EUA.
  • Em abril de 2009, míssil disparado pela Coreia do Norte passa por cima do Japão e cai no Pacífico.
  • Dois meses depois, é realizado novo teste nuclear subterrâneo.

Anos 2010

  • No início de 2013 e de 2016, testes nucleares subterrâneos são realizados.
  • Em agosto de 2016, míssil cai em mar japonês.
  • Em março de 2017, quatro mísseis são lançados. Ditador norte-coreano diz que finalidade é acertar bases militares dos EUA no Japão.
  • No Dia da Independência dos EUA de 2017, míssil cai no Mar do Leste depois de voar mil quilômetros, mas teria potencial para chegar ao Alasca.
  • Três semanas depois, decola míssil que teria capacidade para percorrer 10 mil quilômetros e que poderia atingir os EUA.
  • Em 3 de setembro de 2017, ocorre explosão teste de bomba de hidrogênio que causou um terremoto na Península da Coreia.

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