Justiça lenta não é justiça

O Conselho Nacional da Justiça (CNJ) apontou, em setembro de 2017, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) como o mais eficiente e virtual do país. Entre as cortes federais, a localizada em Porto Alegre e que atende os três estados do Sul, teve os seus desembargadores indicados como os mais produtivos. Como consequência, a instituição é a menos congestionada do país.

Os dados, publicados no relatório anual “Justiça em Números”, vão ao encontro do tempo de julgamento do processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – tanto de ida para o segundo grau como a tramitação no Tribunal. Embora tenha sido motivo de questionamentos por parte da defesa de Lula, a agilidade na apreciação tem, em sua maioria, recolhido elogios dos operadores do Direito. Da saída do primeiro grau, em Curitiba, à distribuição, foram 42 dias. E desta até o julgamento pela 8ª Turma, 127 dias.

Aliados do ex-presidente apontaram um “julgamento político” em função da celeridade do processo. Já a Corte apresentou levantamento interno para comprovar o trâmite corriqueiro. A média foi um pouco maior. Consideradas as 2.709 apelações criminais que tramitaram no ano passado, quase metade delas – 1.326 – tiveram um período de apreciação de cerca de 150 dias.

Outro dado que consta do relatório da CNJ é a implantação do eproc, o processo eletrônico. Adotado há cinco anos em todos os graus de jurisdição, alcançou seu maior índice na 4ª Região: 96%. Já na Justiça Federal, de primeiro grau, 100% dos casos que chegam aos três estados são de forma eletrônica.

Um dos procuradores do petista, do escritório Teixeira, Martins & Advogados, Cristiano Zanin, alegou que o ex-presidente deveria ter sido tratado como todos os outros réus, criticando a “tramitação recorde”. A defesa chegou a entrar com um pedido de informação no TRF-4, questionando a “celeridade extraordinária” na tramitação do processo referente à compra do tríplex no litoral paulista.

Em sua resposta, o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que preside a Corte, caracterizou como fato comum, exibindo a média de dias dos julgamentos. Em entrevistas a veículos locais e nacionais, Lenz também destacou que o julgamento dos processos pela ordem cronológica de distribuição no Tribunal não é uma regra absoluta. “O próprio art. 12 do Código de Processo Civil afirma que é preferencial essa observância”, sublinhou. O magistrado suscitou a Meta 4 do Conselho Nacional de Justiça, que indica a necessidade de priorizar processos relativos à corrupção e à improbidade administrativa.

A tramitação foi rápida, mas não “recorde”, como definiu a defesa, na visão do advogado Marcelo Proença, especialista na área contenciosa perante tribunais superiores. Do ponto de vista institucional, ele explica que o tribunal não julga, necessariamente, em ordem cronológica, mas de acordo com diversas combinações: insistência da defesa ou dos órgãos de acusação, conteúdo que necessite de maior velocidade, entre outros. “Nesse caso, o tribunal preferiu julgar logo em função de ser um processo de grande repercussão pública. Poderia ter sido em março ou abril, mas um aspecto deve ter interferido: os magistrados tinham em mãos um processo criminal que repercute diretamente nas eleições presidenciais deste ano”, observa Proença.

Para o jurista e coordenador do curso de Direito da Escola de Direito de Brasília, ligada ao Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), é importante que tenha havido agilidade na decisão para que a sociedade se organize no processo político. “Se eles fossem julgar conforme os críticos, seria por volta do mês de julho. Imagine o tamanho do problema que se criaria? Condenar o Lula em plena campanha eleitoral? Do ponto de vista do timing, a forma como o tribunal agiu é elogiável, independentemente do mérito”, sustenta o advogado. O tribunal, reafirma ele, antecipou-se a um problema e trouxe aos autos um grau de segurança e previsibilidade a um processo que é complexo.

Stephan Doering Darcie, coordenador da especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal da Unisinos, também não acredita na celeridade como um aspecto prejudicial ao processo. “A decisão mostrou eficiência e é uma resposta positiva à sociedade”, observa. Especializado em Direito Penal Econômico Internacional e Europeu pela Universidade de Coimbra, em Portugal, ele critica outros aspectos do Judiciário – como manifestações públicas de juízes durante o transcurso da ação ou sobre processos em que possam vir a atuar.

O advogado e professor de Direito Eleitoral Antônio Augusto Mayer dos Santos também elogiou a atuação do TRF-4, onde, em geral, os processos tramitam em um fluxo razoável. “A maior morosidade está localizada nas instâncias superiores, notadamente no âmbito do STF, do TSE e do STJ”, afirma.

Decisão unânime

Outro ponto a ser destacado é a decisão unânime da 8ª Turma, que pode ter sido articulada previamente. O papel de protagonismo social e político que o Judiciário vem tendo nos últimos anos pode ter influenciado nesse aspecto, segundo Marcelo Proença.

As divergências entre os magistrados de outros tribunais, principalmente os superiores,  têm sido objeto de críticos da sociedade. O ponto é a presteza do atendimento jurisdicional, que acaba sendo comprometida.

“O Judiciário está congestionado, em todas as suas vias e instâncias. Sofre desgaste, tal e qual os demais poderes. Leis confusas e mal elaboradas pelo Congresso Nacional geram interpretações divergentes entre tribunais. O Supremo Tribunal Federal, que deveria ser integrado por 13, talvez 15 ministros submetidos a mandato e sabatinas mais rígidas, não estabiliza temas relevantes, o que torna as relações jurídicas inseguras”, avalia Mayer dos Santos.

Em recente artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, o professor de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Conrado Hübner Mendes fez duras críticas às infindáveis discussões públicas no STF. “O poder moderador converteu-se em poder tensionador, que multiplica incertezas e acirra conflitos. Quando um não quer, 11 não decidem; quando um quer, decide sozinho por liminar e sujeita o tribunal ao seu juízo de oportunidade”, enfatiza Mendes. Ele também critica os longos discursos divergentes entre os ministros, o que seria uma estratégia diversionista.

Nesse caso, converge o advogado Marcelo Proença. Ele sustenta que o TRF-4 não pode ser criticado por ter dado uma resposta rápida, nem pela compreensão de que as decisões foram articuladas. “Não devemos ter a ingenuidade de achar que uma sustentação oral, 15 minutos antes da hora do julgamento, vai mudar a decisão sobre um processo que está sendo estudado há meses”, acrescenta.

Entre falhas e avanços

Um dos grandes desafios do Poder Judiciário é o aprimoramento. Se, por um lado, o processo eletrônico agilizou a máquina judiciária, ainda falta avançar quanto ao processo decisório, seus mecanismos de consenso e de diálogos. Além disso, a Justiça ainda carece de medidas que não dependem dela, como a modernização da legislação.

Mayer dos Santos indica que há uma enormidade de leis em descompasso com a realidade. “De outra parte, algumas modificações ocorridas na legislação processual civil otimizaram a tramitação de recursos. Sobre as formalidades, as mesmas são inerentes ao mundo jurídico. E os tribunais poderiam descentralizar ainda mais os seus serviços.”

Se modernização, celeridade nas decisões e agilidade são alguns dos predicados citados por um ou outro jurista, a segurança é o adjetivo mais repetido entre eles. O Judiciário brasileiro, ainda que com falhas e defeitos, sinaliza ao cidadão que novos caminhos se abriram para combater a impunidade.

A decisão na 4ª Região foi emblemática nesse aspecto. Há uma máxima no Direito que diz que Justiça tardia não é Justiça. Nessa linha, a 8ª Turma não deixou dúvidas de que cumpriu sua missão.

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