Negação: o poder da História – Por Marco Antônio Campos

Os dramas de tribunais já renderam clássicos do cinema em tamanha quantidade e qualidade que poderíamos fazer uma lista interminável. Vou citar apenas três, para dar ideia do calibre do gênero: Testemunha de Acusação (1957), de Billy Wilder, Doze Homens e uma Sentença (1957), de Sidney Lumet, e O Sol é para Todos (1962), de Robert Mulligan.

Negação (Denial – 2016), de Mick Jackson, certamente não está no patamar destes clássicos indiscutíveis e nem se pretende estar. Mas consegue ser um belíssimo drama de tribunal, com uma história real espetacular, um elenco impecável, uma direção de atores memorável se definindo como um filme a ser visto e recomendado sem restrições.

Deborah Esther Lipstadt é uma historiadora e escritora norte-americana que havia, entre outros, escrito o livro Negando o Holocausto: o crescente assalto à verdade e à memória (1993), no qual questionava o movimento que negava a existência do Holocausto, notadamente o historiador David Irving.

Irving então ajuizou um processo de indenização por difamação contra Deborah e sua editora, Penguim Books, na Inglaterra, aproveitando a inversão do ônus da prova, ou seja, de que, pelo Direito Inglês, caberia a Deborah provar a veracidade de suas alegações.

Deborah (a atriz Rachel Weisz, sempre ótima) se vê obrigada a contratar um time de advogados de primeira linha na Inglaterra. O filme, neste ponto, tem alguns de seus grandes acertos, colocando como advogados da escritora o grande Tom Wilkinson (ator inglês com mais de 40 prêmios internacionais e mais de 70 indicações em festivais por suas atuações) e o jovem e ascendente Andrew Scott (o excepcional Moriarty da série Sherlock da BBC, com Benedict Cumberbatch). Show de talento da dramaturgia da Terra da Rainha.

Negação trata de uma série de temas fundamentais. O genocídio cometido na II Guerra Mundial (e paralelamente todos os genocídios) é apenas um deles.

O radicalismo e a arrogância política do ser humano e sua decorrente capacidade de distorcer os fatos e negar verdades inquestionáveis são expostos magnificamente pelo filme, valendo para qualquer época, partido, corrente ou movimento.

Em oposição a isto, a simplicidade e tranquilidade do Barrister veterano em construir sua causa, bebendo um bom vinho tinto – contando com a equipe – e chegar à vitória sem vociferar ou se declarar superior a ninguém.

A relevância ímpar da liberdade de expressão como valor essencial da sociedade e o alcance verdadeiro deste princípio igualmente são explorados de forma brilhante. A protagonista do filme expõe, com perfeição, que ao defender sua posição contra o historiador no processo judicial, não estava, por qualquer forma maculando a liberdade de expressão. A certa altura diz ela: “Agora, algumas pessoas estão dizendo que o resultado desse julgamento ameaçará a liberdade de expressão. Eu não aceito isso. Não estou atacando a liberdade de expressão. Pelo contrário, eu tenho defendido isso contra alguém que queria abusar disso. A liberdade de expressão significa que você pode dizer o que quiser. O que você não pode fazer é mentir e esperar que não seja responsabilizado por isso. Nem todas as opiniões são iguais. E algumas coisas aconteceram, como dissemos que sim. A escravidão aconteceu, a morte negra aconteceu. A Terra é redonda, as calotas estão derretendo e Elvis não está vivo.”

Além destes, o trabalho de equipe, a importância de confiar nos outros, o papel da Justiça, muitos temas essenciais passam por este filme excelente.

E, claro que Negação trata, ainda ou principalmente, da História.

Por isto, acho linda a frase do Jornal Inglês The Times sobre o julgamento, em 14 de abril de 2000: “A História teve seu dia na Corte e marcou uma vitória esmagadora.”

Negação é um grande filme sobre uma grande história.

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