O mundo é dos Outsiders – Por Marcos Troyjo

Donald Trump, candidato alheio à elite democrata ou republicana, foi eleito presidente nos EUA, democracia das mais consolidadas no mundo.

Emmanuel Macron e Marine Le Pen disputaram o Eliseu sem a sustentação dos pilares partidários clássicos da política francesa.

Nigel Farage, do UKIP (sigla em inglês para Partido de Independência do Reino Unido), protagonizou o brexit, evento geopolítico na Europa mais importante desde a Queda do Muro de Berlim. Na Áustria e na Holanda, recentes eleições transcorreram com um forte sentimento anti-mainstream.

No Ocidente, estamos testemunhando uma ojeriza a líderes e ideias afeitos ao establishment. Tudo o que parecia até há pouco inabalável —bipartidarismo norte-americano, dinâmica de integração na União Europeia, sacralidade dos comícios presenciais — é eclipsado por aquilo que contrasta com a política tradicional.

O mundo é dos outsiders. O momento é daqueles que se opõem “àquilo que está aí”. Esse “outsiderismo”, portanto, tem muitas faces. Nesse contexto, a política metamorfoseou-se. O ideal romântico de revolução não faz mais parte do elenco de aspirações.

Ao contrário do que se poderia imaginar como efeito das redes sociais, as agendas propositivas e críticas estão mais locais. Sabe-se o que quer e como fazer no seu bairro, cidade. Menos, porém, no nível de uma unidade federativa (Estado) ou país. Muito menos para o mundo.

Ao contrário dos muitos consensos que emergiram durante a “globalização profunda” — como o ideal de circulação mais livre de bens, serviços, capitais e pessoas —, essa tendência “outsiderista”, nos EUA e na Europa, responde mais ao particular  doque ao geral, mais ao imediato do que ao estratégico.
Claro que Trump, eleições presidenciais na França e brexit são macro-exemplos de outsiderismo, mas tal tendência é ainda mais sentida no nível do Poder Executivo ou casas legislativas em âmbito municipal ou estadual/provincial.

Em seu debate cotidiano, a política outsiderista não é mais a dos grandes sistemas ou soluções globais. Além desse caráter de proximidade “epidérmica”, há a questão da política como espaço de defesa da voz de afinidades estéticas ou profissionais.

Daí em eleições aos mais variados cargos observarmos o êxito de candidatos dos taxistas, esportistas, celebridades de TV ou dirigentes de clubes de futebol. E aqui, sem dúvida, tecnologia e redes sociais também exponenciam o vetor outsiderista.

Afinidades estéticas, como diria o grande sociólogo francês Michel Maffesoli, turbinam as “células” de proximidades dos outsiders com suas comunidades no Facebook ou no Twitter.

Em muitos desses casos, os canais entre outsiders e aqueles que compõem suas “nuvens” substituem mídias jornalísticas tradicionais. Nesse fluxo, mais importante que “informação” é “confirmação”.

Houve aqui, portanto, uma transformação. A origem da notícia ou análise, há um tempo restrita à redação própria de cada veículo jornalístico, hoje está na multidão de sites, agências de notícias, blogs, universidades, nas empresas de qualquer ramo. Circula, enfim, no ciberespaço.

O destino, na mesma medida, que segmentava por mídia o tipo de consumidor em suas várias formas (leitor, ouvinte, telespectador, internauta), condensa-se progressivamente graças à convergência tecnológica.

A mídia, como sinônimo de imprensa, é irmã gêmea da Liberdade de Expressão. Esta identidade sempre se alimentou pela noção de que o livre debate de ideias (exposto pela mídia) constrói agendas críticas ou propositivas —objetivo eminentemente político.

E a questão da sobrevivência das empresas de mídia também permitiu um deslocamento do eixo jornalístico para o do entretenimento, sublinhando assim a relação “interesse público x interesse do público”. Quanto a este último, é patente a tendência ao mórbido, à vulgarização, à TV trash e aos sites de ódio.

Ecossistema perfeito para alguns outsiders.

Com efeito, na política de cargos eletivos, o que vemos é o decréscimo relativo da importância dos discursos programáticos e a construção de candidatos a partir de marketings de empatia.

As redes sociais, dado seu caráter instantâneo e superficial, ajudam nessa “efemeridade”. As novas tecnologias aproximam. Isto se faz para o bem e para o mal.

A proximidade desvenda identidades, mas também realça diferenças, sobretudo civilizacionais. Este o principal combustível para os conflitos contemporâneos conforme a ainda atual formulação de Samuel Huntington.

O advento dessa fase outsiderista no Ocidente e o impacto que ela projeta para as relações internacionais é marcante. As fronteiras, claro, não deixaram de existir. Tornaram-se, no entanto, mais porosas. O Estado-Nação, que sustenta sua existência na dualidade interno-externo, vê-se desorientado com sua vulnerabilidade física, macroeconômica e cultural.

Suas delimitações são vazadas tecnológica, financeira e culturalmente, o que produz novas sínteses — por vezes enriquecedoras, por vezes fragmentárias.
Geram como contrapartida bandeiras preservacionistas de tradições e especificidades — o que, se empunhadas com o valor maior da tolerância, deve ser bem-vindo num mundo que se quer plural.

Impossível não reconhecer tais marcas, na sua versão potencialmente perigosa, em Trump, Le Pen e mesmo nas motivações mais nativistas que levaram ao brexit.
Como o Brasil, em tantas momentos históricos, gosta de andar na contramão de tendências internacionais, aqui há talvez uma boa notícia.

Outsider pode querer dizer mais do que apenas o “não tradicionalmente político”, ou aquele “não vinculado a partidos consolidados”. Pode significar também aquele contrário ao que é tristemente convencional no país.

Repudiar populismo, experimentalismo macroeconômico e uma economia política de compadrio é ser outsider, pois esta é, há muito tempo, a tríade mainstream no Brasil. Em nosso país, ser “contra o que está aí” significa sobretudo permitir o amplo desencadeamento de criatividade e forças produtivas. Nesse sentido, a emergência de um outsider pode ser uma ótima novidade para o Brasil.

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